O Portal AgroValor entrevistou, com exclusividade, o presidente do Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos (Plastivida), Miguel Bahiense. O engenheiro químico defende que as “sacolinhas de supermercado” não são as vilãs do meio ambiente e, sim, detentoras de um importante papel para a saúde humana.
Portal AgroValor: O senhor é contra ou a favor do uso das sacolas de supermercados? Quando começou a haver esse questionamento?
Miguel Bahiense: Sou totalmente a favor das sacolinhas, pois entendo que o problema não está relacionado ao produto em si (sacolas), mas, sim, ao desperdício dele. Nós do Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos (Plastivida) constatamos que o problema ou questionamento do uso da sacola começou a acontecer em 2007. Nesse período, quando íamos ao supermercado havia sacolas muito finas. Esses estabelecimentos encomendam ao mercado sacolas mais finas, para custar menos. Eles afinaram tanto a sacola para pagar menos, até ela perder extremamente sua capacidade de resistência. O consumidor passou a se comportar da seguinte maneira: se a sacola for fina coloca duas ou três sacolas uma dentro da outra, não utilizando a capacidade total de cada uma delas. Na hora que ele faz isso estará causando um problema para o meio ambiente, que é o desperdício do produto. Por uma necessidade da qualidade da sacola isso acaba ocasionando uma série de prejuízos.
Portal AgroValor: As sacolas são descartáveis?
Bahiense: A sacola não é descartável, ela é reutilizável. Nas casas elas são utilizadas de diversas formas, e uma delas e a principal é para pôr o lixo. Como as sacolas não têm resistência e há certo desperdício, elas têm uma grande possibilidade de se rasgar. Quando isso acontece, de fato, não tem como reutilizá-la. Quando você descarta, (sendo correto o descarte em sistema de coleta seletiva, que as prefeituras no Brasil ainda não possuem com eficiência), as sacolas vão parar no meio ambiente, daí ela é, equivocadamente, acusada de ser a vilã.
A indústria aceitou fabricar a sacola fora de norma; O supermercado demandou a sacola fora de norma; O consumidor a consumiu em excesso e descartou em lugares indevidos; E o poder público é incapaz de coletar ela seletivamente para reciclagem. Para muitos é mais simples você resolver banir esse produto do que cada um desses quatro atores do processo olhar o seu umbigo e resolver o seu problema. A gente não tem que culpar a sacola como um equívoco completo.
Portal AgroValor: O senhor vê alguma saída nesse processo?
Bahiense: Em minha opinião, a única solução para esse problema é o Programa de Qualidade de Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, que funciona desde o início de 2008. Nós [Plastivida] criamos um selo de qualidade que é dado àquelas empresas que fabricam sacolas através das normas da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], e a partir daí a gente foi atrás de signatários do setor e depois fomos atrás da indústria [fabricantes de sacolas] e expusemos esse problema. Também fomos atrás de associações estaduais de supermercados e mostramos a situação. Na hora que conseguimos juntar algumas associações de nove capitais do Brasil e em torno de 10 fabricantes de sacolas do setor, nós passamos a produzir sacolas de acordo com as normas técnicas, isto é, sacolas resistentes para suportarem até 6 kg de compras. As sacolas que têm o selo de qualidade que criamos vêm informando o peso que elas suportam, que pode ser 4, 5, 6 ou 7 quilos, dependendo do tipo de sacola. Há, por sinal, uma rede no Rio Grande do Sul, que se chama Zaffari, que distribui uma sacola que suporta 7 kg. Eu desconheço uma no país que suporte mais. Em média, nos supermercados as sacolinhas suportam até 6 kg de compras.
Portal AgroValor: A Plastivida realiza algum trabalho de conscientização ao uso das sacolas?
Bahiense: Claro. Os supermercados que utilizam sacolas com o selo, nós vamos até esses estabelecimentos signatários e treinamos os caixas e empacotadores, para que eles conversem com o cliente e digam: “nessa loja as sacolas têm qualidade. Você não precisa colocar uma dentro da outra, pois ela suporta 6 kg em compras”.
Esse trabalho sendo feito com as 10 maiores redes de supermercados do país, 5 são signatárias, temos um total de signatários em torno de 20 supermercados. É um trabalho que não necessariamente só pode ser vendido naquelas lojas que são signatárias. Há outras redes que compram diretamente dos fabricantes e fazem esse trabalho.
Portal AgroValor: Como está o consumo de sacolas no Brasil?
Bahiense: Em 2007, quando iniciamos esse programa, o Brasil consumia 17,9 bilhões de sacolas, que é uma quantidade absurda. Isso espanta, devido o desperdício. Finalizamos o ano de 2011 com 12,9 bilhões de sacolas. Conseguimos reduzir 5 bilhões de sacolas, temos que observar que nesses últimos 4, anos o consumo aumentou, as pessoas foram às compras, ou seja, a produção deveria ter aumentado. Com um programa de educação você consegue conscientizar o cidadão, a indústria e o varejo para que isso se torne o mantra dentro do setor e a gente consiga essa redução.
Portal AgroValor: O senhor poderia citar alguns gargalos que impossibilitam a conscientização da população?
Bahiense: Olha só, infelizmente o grande problema é que não são todas as redes que aderem a esse projeto. A gente tem, hoje, em São Paulo, por exemplo, a Associação Paulista dos Supermercados [APAS], que está junto com o próprio Governo do Estado e a Prefeitura lançando uma campanha para que, até o dia 25 deste mês [janeiro], as redes de supermercados do estado deixem de distribuir essas sacolas. Como eles não fazem e não quiseram fazer parte desse programa, qual é o interesse deles? E eu respondo: é meramente econômico. O custo das sacolas plásticas para as redes de supermercados no Brasil é de R$ 500 mi. Na hora que eles eliminam as sacolas esse custo é zerado. Não podemos achar que os supermercados distribuem as sacolinhas gratuitamente. O preço delas está embutido nos produtos. Eu pago por elas. É um direito meu entrar no supermercado e ter minha sacola para carregar as compras. Na hora que eles me tirarem isso, eu vou ter que pagar para ter as sacolas retornáveis. Eles não vão me devolver o dinheiro, pois o preço dos produtos nessas redes não vai baixar e eu vou ter que pagar por essas sacolas retornáveis, que eles mesmos vendem. Inclusive, para pôr o lixo da residência vai ser necessário comprar sacos de lixo, que também são vendidos por eles. O bolso do consumidor acaba sendo bastante prejudicado. As classes A e B terão possibilidade de fazer isso, mas já as classes C, D e E não terão capacidade para isso, eu estou falando de R$ 30 a R$ 40,00 por mês.
Portal AgroValor: O senhor acredita que a parte sanitária será afetada se essa “moda” pegar?
Bahiense: No tempo em que não existia o saco plástico, mais ou menos na década de 70, o lixo era colocado em tonéis de metal. Creio que as pessoas mais pobres vão fazer isso. Eu quando criança, depois que o caminhão do lixo passava e levava os dejetos e deixava o tonel na calçada, minha mãe me mandava lavá-lo com a mangueira, daí vem o desperdício da água. Depois essa água da lavagem ia para o esgoto, que fedia e fazia com que aparecessem ratos, baratas etc.
Portal AgroValor: Há algum estudo que comprove que as sacolas comuns, aquelas utilizadas em supermercados, são mais vantajosas?
Bahiense: Do ponto de vista ambiental, os estudos mostram que as sacolas plásticas são a melhor alternativa em termos de análise de impacto ambiente. Recentemente foi divulgado um estudo em inglês, pela Agencia Ambiental Britânica, que mostrou que de nove categorias ambientais avaliadas, levando em consideração diversas modalidades, como sacolas comuns, biodegradáveis, oxidodegradável, saco de papel... Dessas nove categorias ambientais avaliadas, as sacolas comuns tiveram vitórias em oito, pois são elas que possuem a menor emissão de CO², que é o gás que provoca o efeito estufa. São essas sacolinhas que consomem menor quantidade de matéria prima para serem fabricadas. Então eu pergunto: por que tirar o produto que tem o melhor desempenho ambiental, que é reutilizável, o consumidor já paga por ele, entre outras qualidades?
Resumindo, todos os estudos que eu conheço apontam as sacolas comuns como as de melhor desempenho ambiental entre todas as possibilidades de transporte de compras de supermercado, mesmo incluindo aquelas sacolas biodegradáveis.
Portal AgroValor: Qual a diferença que há entre as sacolas comuns e a biodegradáveis?
Bahiense: A biodegradação seduz muito a população. Mas muitos não sabem o que é essa biodegradação, que é uma matéria que pode ser feita do amido de milho, por exemplo, como também de qualquer matéria orgânica, no qual vem um micro organismo e come ela. Como já dizia o ditado, “na natureza nada se cria, tudo se transforma”, e assim acontece. O micro organismo depois de comer, o organismo dele processa e emite gases, que são o CO² ou o metano, que são os gases causadores do efeito estufa. Então, muitos pensam: “a sacola biodegradável some em 180 dias”, que é verdade, mas ela causa uma poluição, que é invisível à população. As sacolas biodegradáveis para não causarem esses males teriam que ser levadas para uma usina de compostagem, que não existe aqui no Brasil.
Portal AgroValor: As sacolas de supermercados são as mais utilizadas para por o lixo doméstico? Qual fim essas sacolas têm quando vão ao aterro sanitário?
Bahiense: Nós encomendamos, em 2011, uma pesquisa pelo Datafolha [instituto de pesquisas pertencente ao Grupo Folha] que mostra que quase 90% da população brasileira reutilizam as sacolas plásticas, e o principal reuso delas é para pôr o lixo.
Olha, eu tenho dois tipos de lixo, o seco (reciclável) e o úmido (orgânico). A sacolinha que eu coloquei o material reciclável também será reciclada, mas a que eu coloquei o material orgânico (não-reciclável) não será, pois ela irá confinar o lixo para ir ao aterro sanitário, realizando um trabalho técnico. Esse trabalho é de isolar o lixo, que está dentro dela, do meio ambiente, para evitar que o chorume do lixo - que é a água de chuva que cai em cima do aterro e faz a lavagem do aterro virando aquele líquido preto, que tem uma alta carga poluente - atinja o solo e o lençol freático. Só para entendermos, um aterro sanitário, da forma que realmente tem que ser feito, não são aqueles lixões que existem por aí, é um lugar onde se deve cavar um buraco e colocar uma manta de plástico, pode ser o polietileno ou o próprio pvc, para evitar que o chorume do lixo atinja o solo e o lençol freático. Esse chorume é coletado e vai para uma outra “piscina” de chorume, também forrada com polietileno ou pvc. Quando acaba a vida útil do aterro, eu venho com uma outra manta por cima, forro ele e fica como se eu tivesse uma grande sacola, um sacolão. Em milhões de anos aquilo vai virar petróleo, já que o petróleo é carbono, e 60% do que tem no aterro é resto de comida.
Voltando para a nossa casa, aquele saquinho que temos com material orgânico futuramente vai estar no aterro, cumprindo um papel. Essa sacola não tem que ser reciclada, pois ela tem a sua função, que é de suma importância.
Veja o que é sustentabilidade na visão de Miguel Bahiense
A sustentabilidade é um tripé. Qualquer tripé para se sustentar precisa que os três pés estejam do mesmo tamanho e tenham a mesma importância. Esse tripé tem que ser social, ambiental e econômico. As pessoas acham que se não for verde não é sustentável, mas não é isso, o produto pode ser verde e barato, mas causa um impacto social sério, daí temos que lembrar do tripé. Então, nenhum desses aspectos pode ter mais importância do que o outro, dentro do que se define como sustentável. Os três itens têm que sobreviver. Se eu tenho um produto e eu digo que ele é sustentável ele tem que me dar uma vantagem econômica, socialmente responsável e ambientalmente correta.
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